sábado, 15 de setembro de 2018


Cotiporã - o lugar para enfrentar medos

Passei seis dias em Cotiporã hospedada num hotel que seria o cenário perfeito para um filme de terror – tão perfeito que esbarrei com uma equipe de filmagens que buscava exatamente isso... Após viver experiências tão significativas com os anfitriões do Couchsurfing, parar em um hotel de três andares, mil quartos, e apenas cinco hóspedes foi como ser banida para um canto isolado e esquecido do universo.


Foi o valor baixo da diária que me levou a este hotel. Já que não encontrei anfitriões disponíveis, o cuidado com o orçamento precisava ser redobrado. A senhora que cuidava das reservas me recebeu assim que cheguei na cidade. Simpática, me alocou em um quarto do terceiro andar – que estava vazio –, pois o segundo andar estava ocupado com os outros quatro hóspedes, todos homens.

Por alguma razão, a proprietária do prédio se ausentara durante toda minha estádia. A senhora que cumpria o papel de recepcionista morava há algumas ruas dali, só indo ao hotel para receber os visitantes, acertar o pagamento e limpar os quartos. Ela me acomodou, deixou a chave da porta da frente, me levou até um dos poucos restaurantes da cidade e se despediu. Só voltei a vê-la quatro dias depois.

Na hora, mesmo que estranhasse a situação, eu estava deslumbrada demais por estar em Cotiporã para me ater às obvias possibilidades de dar merda. Claro, não demorou muito para que a realidade batesse na minha cara com força: o sinal do meu celular simplesmente sumiu.

Descobri no dia seguinte que a única antena da cidade era da Vivo. Meu chip é Tim. Resultado: sem conexão com a internet móvel. E o hotel, que mal possuía água potável, usava a rede Wi-Fi do vizinho, cuja senha que a senhora me passou só dava incorreta.

O que me salvou do total isolamento virtual foram os Wi-fi’s dos restaurantes onde comi. Aliás, o hotel não oferecia café da manhã e, como a água que saia da pia tinha um gosto aterrorizante de ferrugem, fui obrigada a fazer todas as minhas refeições fora. Meu orçamento? Despencou ladeira a baixo...

Como cereja no bolo de ciladas em que eu havia me metido tinha a chuva. Maldita seja!! Ela afastava as pessoas da rua, o que deixava a cidade quase deserta; dava ao dia um clima melancólico e, à noite, um ar sombrio.

Meu humor ia de mau a pior. Principalmente de noite, quando o prédio parecia ganhar vida. O vento assobiava pelas frestas das janelas, as madeiras do assoalho rangiam e, a todo momento, eu temia que os homens que estavam no andar de baixo subissem para me pegar.

Eles trabalhavam durante o dia e dormiam cedo, por isso não nós encontrávamos com frequência. Mas, assim como eu sabia da presença deles, eles sabiam da minha. Isso me deixava em pânico. Pensava que seria mais tranquilo passar a noite sozinha no hotel inteiro do que aguentar a preocupação de não saber o que esperar daqueles desconhecidos.

Nas primeiras noites, quando voltava do jantar, eu corria para o quarto e me trancava até a manhã seguinte. Porém, na sexta-feira, peguei uma chuva fortíssima que encharcou as minhas botas. Fiquei desolada, pois o tempo úmido não deixaria que elas secassem antes de minha partida. Naquela noite, porém, o pessoal acendeu a lareira do segundo andar e um calor gostoso me envolveu enquanto subia às pressas para o meu quarto. Na sala, com a televisão ligada, dois homens conversavam tranquilamente. Nunca senti tanta inveja na minha vida.

Quando entrei no meu quarto vazio, gelado, a solidão acabou sendo bem maior que o medo. Tirei as botas molhadas, pus meus chinelos e agarrei o celular. Acanhada, desci até o segundo andar e perguntei se poderia me juntar a eles na lareira. Mais do que calor, queria ficar perto de outras pessoas.

Ambos os homens se agitaram; assumiram uma postura ereta no sofá e apagaram os cigarros que fumavam. Eu me sentei meio encolhida num canto. Usei o celular, sem internet, como distração. Alguns minutos bem desconcertantes se passaram até que surgisse um assunto neutro e fácil para discutirmos: a chuva.

Os dois também haviam pegado a chuvarada, por isso deixaram seus sapatos próximos a lareira para que pudessem secar até o próximo turno de trabalho. Comentei que minha bota estava molhada e, automaticamente, eles me falaram para buscá-la. Deixei as botas junto ao fogo com Rude, um dos meus novos colegas, cuidando para que o couro não derretesse.

A partir daí a conversa deslanchou. Eles, assim como toda a cidade, estavam curiosos comigo. Perguntaram de onde eu vim, o porquê estava ali e o que planejava fazer depois. Em contrapartida, devolvi as perguntas. Descobri que todo o grupo era de Porto Alegre, faziam a montagem de estruturas metálicas nas obras que ocorriam em Cotiporã e, no dia seguinte, voltariam para casa. Olha o meu azar!

Sem eles, eu enfrentaria duas noites sozinha no hotel inteiro. Por mais que parecesse uma boa opção no início, após conhecê-los, percebi que estava cansada da solidão. Também notei como minha mente surta ao lidar com o desconhecido. Ela sempre espera o pior. Nesses casos, acho que enfrentar meus medos significa me permitir encontrar surpresas positivas. Quem diria que aqueles dois trabalhadores, exauridos de cansaço e deprimidos pela TV não sintonizar a Globo, seriam companhias tão boas?

Senti muito a falta deles nas noites seguintes. Ainda mais, porque houve um alerta de tornado para o Rio Grande do Sul naquele fim de semana. Fiquei apavorada de passar por uma coisa dessas sozinha. Tentei reservar um quarto na única pousada de Cotiporã. O valor da diária era três vezes maior, mas, para fugir do medo que me atormentava, eu pagaria com satisfação.

A pousada, bem conceituada por sinal, estava lotada com os participantes da feira do livro que acontecia naquela semana e com a equipe de filmagens que circulava pelas ruas. Fui obrigada a ficar no hotel abandonado... e até que não foi tão ruim.

Agora, nem sei dizer se sou muito corajosa ou muito louca. Eu só senti tanto medo, mas tanto medo!, que me senti bem... Quando acordava de manhã, batia um orgulho imenso por saber o quão resistente – ou teimosa – eu posso ser. Nenhuma escuridão, portas rangendo, relâmpagos e trovoadas conseguiam levar a melhor sobre mim.

Acho que essa experiência valeu como um desafio pessoal. Mostrou que eu posso ir além dos meus medos e cismas. E, também, me rendeu uma história ótima para me gabar no futuro. Se eu repetiria? Absolutamente não! Uma vez já é suficiente.


Na próxima postagem, focarei na cidade em si, meus passeios, as pessoas que conheci e a feira do livro que tive o prazer de participar.
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