quinta-feira, 27 de junho de 2019


Oficina literária em GV

Estou em Governador Valadares com minha família há algum tempo. Semana passada, o jornal local divulgou uma oficina literária no Sesc da cidade, ministrada pelo jornalista Márcio Vassallo. Como eu estava por aqui mesmo, pensei: por que não?

A oficina está ocorrendo ao longo desta semana. Desde segunda tenho trabalhado em alguns textos curtos que o Márcio sugere. As criações são postas em discussão com toda a sala, para análise e melhorias. Li textos incríveis dos meus colegas e consegui dar upgrade naqueles que escrevi. O resultado tem me animado demais. É impossível não compartilhar.


Márcio chama os textos de "prazeres de casa". O primeiro foi simples: escrever uma memória da infância. De primeira, minha maior dificuldade foi escolher qual memória devia ser descrita. São tantas. A dúvida me levou por um caminho direto para a procrastinação. Só a adrenalina do tempo se esgotando para impulsionar a inspiração. Cerca de meia hora antes do inicio da aula, saiu uma coisinha mirrada que eu chamei de texto.

Sem título, sem descrições e com uma formatação básica, levei aquilo para o debate. Ouvindo a opinião da turma, o texto não pareceu tão ruim. Acho que ficou tão enxuto que não tive tempo para errar. Algo que gostaria de ter feito só para gerar mais falação.

Fiz algumas alterações indicadas pela turma e o professor. O resultado:

Um homem bateu em minha porta.
E eu abri.
Senhoras e senhores, ponham a mão no chão.
Senhoras e senhores, pulem de um pé só.
Senhoras e senhores...

— Ei! Pisou! Pisou que eu vi! É minha vez agora.
— Você que tá batendo a corda errado!
— É minha vez, cara. Você pisou.
— Tá bom, tá bom... vou bater que nem você também.
Um homem bateu em minha porta.
E eu abri.

O tema seguinte atiçou minha criatividade desde que foi sugerido. O objetivo era descrever uma conversa alheia. Eu tinha uma lista de conversas de ônibus à disposição. Escrevi vários roteiros na cabeça para cada diálogo. Novamente, me restou pouco tempo para transcrever as ideias. A que ficou acabou me trazendo certo incômodo na hora de ler para a turma. Só notei o quanto poderia ser... sei lá, ofensivo, quando já estava na aula. Pelo menos ele ficou mais consistente que o anterior, o que rendeu bons apontamentos e dicas. Ainda precisa de algumas melhorias. O resultado atual é:

No ônibus, pranchas de surf, caixas de isopor e gente cheirando a protetor solar obstruíam a passagem do corredor. Mais um motivo para eu odiar estar indo pro trabalho.
Fiquei em pé, entre um vendedor de brigadeiro e duas garotas usando cangás. Como não tinha dinheiro para doce, prestei a atenção nas garotas, que riam e conversavam.
— E ela acha que tá com tudo.
— Num é, garota?
Mais risos.
— Na sexta, ele mandou mensagem pra mim. Eu perguntei, né. “Cê tá com ela?” Ele: “Tô, mas é que assim, e não sei mais o que, e tal”. Ai, eu fui na casa dele, né. No outro dia, a corna posta fotinho no facebook.
— Ai, eu fico com pena dela. Ele é feio demais. Não sei, o que vocês tão vendo nele.
— Me ouve. Ele vale a pena. Ele... mulher! Cê não sabe de nada. Num tem aquele dia no Castelo? Que ela foi encontrar ele?
— Tem.
— Então, ele tava lá em casa.
— Para!
— Tava, sim. Ai, ele… — ela se aproximou para cochichar. Assisti quando a que ouviu arregalou os olhos.
— Mentira!
— Verdade, mulher. E depois ele foi direto encontrar ela. Os dois se beijaram e tudo.
— Meu Deus do céu.
Soltaram risadas com uma dose extra de malícia.
— Ela sentiu meu gostinho na boca dele.
Uma imagem se infiltrou na minha mente. Clara e explícita. A outra garota ecoou meus pensamentos:
— Que nojo!
Puxei o sinal do ônibus. Três pontos antes da minha parada. Ia andar, respirar fundo e tentar esquecer o que não foi dito.

Até que foi divertido escrever isso. Tenho muita dificuldade em criar textos curtos. Minhas crônicas e contos sempre parecem incompletos, então eu vou escrevendo mais, e mais, até que se equiparam a um romance em tamanho e reviravoltas. Acho que é o medo de falar demais que tem resultado os textos minimalistas desta semana.

Admiro os autores que conseguem dizer muito escrevendo pouco. Um exemplo é o livro Sete Minutos Depois da Meia-Noite, cujo tamanho é inversamente proporcional a mensagem que carrega. Me perguntava como o autor conseguiu fazer isso. O Márcio deu a resposta no segundo dia da oficina: o texto precisa abrir frestas para a imaginação do leitor. "Explicação demais mata a fantasia", ele repetiu várias vezes.

Em Sete Minutos Depois da Meia-Noite, o autor não descreve aparência de personagens, cenários e até de alguns acontecimentos. Mesmo assim, quando penso na história, passa um filme na minha mente. Tudo o que não foi descrito ou explicado, eu imaginei; o que me aproximou ainda mais do enredo. Legal, né?

O prazer de casa para hoje tem um tema bem aberto: pequenos luxos do dia-a-dia. Coisas corriqueiras ou simples que são especiais para mim. A vastidão de possibilidades me deixou meio perdida. Até agora não tenho ideia sobre o que escrever. Vou esperar o boom da adrenalina me atingir.
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