sábado, 27 de julho de 2019


Resenha: Annarasumanara

Nada melhor do que a semana do meu aniversário para falar sobre Annarasumanara. Um título trava-língua que guarda um enredo derretedor de corações. Tem de tudo: mistério, drama, romance, polícia, transtornos psicológicos, agiotas, papagaio e, sim, magia. Eu acredito, e preciso dizer o porquê.

Título: Annarasumanara
Gênero: Drama/Mistério
Autor: Ha ll-kwon
Capítulos: 27 (concluído)

Sinopse: Yoon Ah-Ee é uma jovem que mora sozinha com sua irmã pequena e que vive cheia de dificuldades financeiras. Um dia ela escuta um rumor sobre um estranho mágico que fica perambulando em um parque de diversões fechado e que faz mágicas de verdade. Ao conhecê-lo, Ah-Ee não acredita em sua mágica, mas com o desenvolvimento da obra, as certezas não só da garota, mas também do leitor são transformadas cada vez mais em dúvidas. Annarasumanara é um manhwa bem psicológico e muito interessante que leva o leitor a duvidar de suas próprias crenças. Além de desenvolver muito bem seus personagens principais, elevando a história cada vez mais e apresentando um final esplêndido.

Novamente me aventurei por um mangá que não é mangá. Annarasumanara é um manhwa, quadrinho de origem coreana que segue um padrão bem distante dos produzidos no Japão. A diferença de design é gritante, principalmente se comparada com um mangá raiz:


Eu adoraria ter conhecimento em arte gráfica, desenho ou ilustração para analisar com propriedade esses elementos visuais. Ainda mais falando de Annarasumanara, no qual o autor utilizou várias técnicas artísticas para enriquecer a narrativa. Não sei nomear esse tipo de coisa, mas eu as enxerguei durante a leitura. E simplesmente amei.

É em meio a um cenário escuro, cheio de sombras, que a história começa. Yoon Ah-Ee, a jovem protagonista, está em seu primeiro dia de aula. Na sala, correm histórias sobre um homem misterioso que vive em um parque de diversões abandonado. Ele se autointitula como mágico de verdade.

Ah-Ee parece ser a típica protagonista diferentona que sofre bullying na escola. Fera em matemática, é uma das melhores alunas da turma, mas se senta no fundão, isolada do restante da classe. Por conta de algo banal – alguns buracos em sua meia-calça – se torna o alvo de comentários entre seus colegas. Nada de surpreendente embaixo dos céus.


Porém, essa ideia estereotipada ganha uma nova camada num momento específico: ao voltar do intervalo do almoço, um barulho ecoa pela sala arrancando risadas dos alunos. Era o som de um estômago roncando. A professora logo pergunta se tem alguém pulando refeições. Todos colocam a culpa em Na Il-Deling, o colega de mesa de Ah-Ee. Envergonhado, ele muda de assunto rapidamente e a aula inicia. Ao seu lado, Ah-Ee está de cabeça baixa, com toques de rosado em suas bochechas.


Ela está com fome. Muita fome. Essa revelação é o estopim para conhecer sua história. Ainda no primeiro capítulo, Ah-Ee se candidata para trabalhar numa lanchonete. Novamente, seu estômago a entrega, roncando alto na frente de seu futuro chefe. Por pena, talvez, ele lhe dá um adiantamento. Uma nota verde brilhante que se sobressai no cenário cinzento.


Vejo muitas metáforas nesse contraste de cores. O mundo de Ah-Ee – assim como o nosso – é regido pelo dinheiro. A triste situação financeira da jovem reflete, e muito!, na forma como ela encara a vida. Ela chega num ponto de ter que escolher entre comprar meias-calças novas, algo que imaginamos ser barato, ou comprar arroz, comida. Aquela nota não é suficiente para pagar as duas coisas, mas, tendo ela, Ah-Ee ao menos pode saciar uma de suas necessidades. Olha o poder que esse mísero pedaço de papel carrega. No mundo sombrio, só ele para trazer alguma cor.

E como alegria de pobre dura pouco, em outra analogia fantástica, a nota escapa das mãos de Ah-Ee e sai voando com o vento. Sério, essa imagem dela perdidinha correndo atrás do dinheiro é simbólica.


Coincidentemente, a perseguição leva Ah-Ee até o bendito parque de diversões abandonado. Um lugar que ela visitou durante a infância. Lá, acontece seu primeiro contato com o mágico misterioso, que já chega mandando sua famigerada pergunta. "Você..."


A partir daqui o enredo deslancha. Descobrimos que Ah-Ee mora com uma irmã caçula numa casa de um só cômodo. O pai delas precisou fugir após entrar na mira de agiotas, que passam regularmente para lembrar Ah-Ee da dívida. No caso da mãe, o assunto é ainda mais complexo. Ela também está ausente, mas o motivo só é explicado nos capítulos finais. Ao longo da obra, Ah-Ee escreve inúmeras cartas para a mulher, contando sobre seus pensamentos e dia a dia. O habito faz parecer que a conexão mãe e filha é inabalável, independente do que tenha afastado as duas.


A realidade de Ah-Ee é crua demais. Motivo para sua aversão imediata para com o mágico. Ela não aceita que um homem, um adulto, viva brincando de magia como se não houvesse nada mais importante para fazer. Um verdadeiro absurdo para alguém que sonhava em ser mágica, mas percebeu que isso não pagaria suas contas.


É exatamente esse embate entre sonho e realidade que torna Annarasumanara tão especial. Para atingir o ideal de adulto bem-sucedido quantos sonhos de infância são sacrificados? Aliás, quando uma pessoa está apta a ser considerada bem-sucedida na vida? Depois de concluir a faculdade? Depois de conseguir um bom emprego? Depois de ficar rica? Depois de se casar? Depois do primeiro filho? Quando?!

Esse roteiro de pré-requisitos para o sucesso é uma mordaça. Do que é chamado um homem com 30 anos, desempregado, que mora numa tenda de rua e faz mágicas para entreter as crianças? Vagabundo, doido, mendigo, desocupado e daí pra baixo. É o caso do mágico, R.

R é uma personagem fora de padrões. O leitor passa o manhwa inteiro tentando desvendar o quebra-cabeça que ele representa. Ele tem tanta confiança em se declarar um mágico de verdade que você acredita. Existe magia em sua presença, suas atitudes e suas palavras. Mas, assim como Ah-Ee, nos questionamos se o que ele mostra é a verdade ou se estamos caindo num minucioso truque.

Enquanto R vaga às margens da sociedade, temos Il-Deling, um estudante que está entre 0,01% da elite. Herdeiro de uma família rica, melhor aluno da escola e futuro advogado, Il-Deling é a representação literal da listinha do sucesso. O caminho é uma linha reta e infinita, na qual ele segue em alta velocidade, sem paradas. Ninguém espera menos que perfeição vinda dele, nem ele mesmo. Mas, confrontado pelo mágico, Il-Deling reconhece a frieza e solidão do seu percurso.


Eu me identifiquei demais com as personagens. Crescer sendo lapidada para atender expectativas alheias ainda é o maior desafio da minha vida. A sociedade não só cobra muito, como também pune aqueles que se recusam a ceder. R que o diga, pois até preso injustamente ele é.

Nesse sentido, é interessante analisar o desenvolvimento de Ah-Ee. Ela não quer nadar contra a corrente, quer apenas se tornar uma adulta normal, seja lá o que isso signifique. Novamente, a falta de dinheiro reflete em suas escolhas. Não porque ela é gananciosa e faça qualquer coisa para conseguir grana. Ao contrário, só quer pagar o aluguel em dia e ter arroz para comer. Sobrevivência é seu objetivo, mesmo que lhe custe umas lascas de dignidade.


Mas ela dá o braço a torcer para o mágico. O sonho continua presente nos confins do seu coração. Seu ceticismo se transforma num anseio sincero. Ela ainda acredita em magia.

Depois de tantas reflexões, imaginei que o final caminhava para algo ou idealista demais, ou pessimista demais. Um pensamento frustrado, graças a Deus. A conclusão da história é certeira. Passa uma naturalidade que aquece o coração do leitor. Me fez lembrar da seguinte fala do R:


Vou estender esse texto mais um pouquinho porque não posso deixar de citar as explosões de cores que surgem de repente ao longo da obra. Uma técnica do autor, com certeza. Num momento estamos no padrão de cores escuras e frias. E no seguinte temos uma aquarela transbordando da página.


Digno de papel de parede da tela principal do celular, né?

Ainda tem os momentos em que o autor explora ângulos diferentes, com tudo de lado ou de cabeça para baixo. Ou quando a cena fica espelhada. Ou ainda quando temos colagens colocadas junto às ilustrações.


Um festival de criatividade e beleza.

Annarasumanara é um manhwa curtinho. Um leitor empolgado chega ao último capítulo numa única tarde livre. As reflexões contidas na obra são autoexplicativas, de fácil compreensão por qualquer alma sensível. As personagens são a chave do enredo, cativantes em sua humanidade. Fora as ilustrações que são de encher os olhos de tão bem feitas. A magia está ali e, sem dúvida, é real.
Compartilhe
Comentários
0

0 comentários:

 
lljj. - COPYRIGHT © 2018 - TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.
LAYOUT E PROGRAMAÇÃO HR Criações