quarta-feira, 8 de janeiro de 2020


O livro mais ERRADO que já li

Primeira postagem oficial do ano, minha gente! Nada melhor do que começar chutando o pau da barraca e destrinchar as razões que fazem Agora e Sempre, de Danielle Steel, ser o livro mais ERRADO que já li nessa vida. Preparem as máscaras de gás porque a radiação é pesada!


Ok, antes de abrir o verbo preciso trazer alguns fatos para consideração. Agora e Sempre foi publicado originalmente em 1977, quarenta e três anos atrás. Lógico que os parâmetros de sociedade usados pela autora ao conceber esse enredo são muito diferentes dos presentes na atualidade – o que é uma benção. Porém, pesquisando sobre a obra, me surpreendi ao encontrar comentários mais recentes, de 2009 pra cá, exaltando o livro sem sequer citar as coisas sinistras que ele guarda. Me senti na obrigação de pontuar o porquê dessa história não ter envelhecido de forma minimamente útil aos leitores. Se você já leu e gostou, tudo bem; mas reflita um pouco nos pontos que trarei a seguir.

Vamos lá.

Agora e Sempre é um romance estilo água com açúcar. Ou era isso que eu esperava ao encontrá-lo no acervo da biblioteca comunitária. O casal protagonista é composto por Jéssica, uma jovem e bem-sucedida empresária, e seu marido Ian, um escritor em início de carreira. O casamento já dura sete anos e, por mais bonitos, ricos e apaixonados que sejam, o casal tem um sério problema: Ian está sendo sustentado pela esposa.

Essa informação por si só é bem escrota, afinal, considerando que o cara está iniciando uma nova carreira, que a mulher tem condições financeiras melhores e os dois são casados, por que ele não poderia se apoiar nela? Faz parte da parceria. Porém, durante o livro inteiro, vemos Ian ser diminuído por conta disso. Seu caráter, dignidade e masculinidade são constantemente questionados por ser um homem que não paga todas as contas de casa. Ridículo, né? Principalmente quando descobrimos uma coisa mais grave a se considerar: Ian trai a esposa.

É, galera. Logo no primeiro capítulo ele já está se engraçando com outra mulher. Os dois se encontram no meio da rua, Ian a acha atraente e oferece carona; a mulher aceita e depois o convida para subir até seu apartamento. Ele simplesmente vai. Meu nível de revolta ao ler essa cena atingiu as alturas. Ainda mais porque Jéssica voltaria de uma viagem de negócios no mesmo dia. Que cara desgraçado!

O pior é que esse comportamento dele é habitual. Jéssica está ciente que há outras mulheres, mas, segundo ela:


Jéssica está conformada com a atitude do marido, pois seu maior medo é perdê-lo. Ela é o tipo de mocinha subserviente que lambe o chão onde o cara pisa. Uma dependência tão enraizada que mesmo quando a polícia bate em sua porta para avisar que Ian foi preso, acusado de estupro, ela continua como um cachorrinho atrás dele.

A grande treta do enredo é que a mulher com quem Ian ficou o acusou de estupro no dia seguinte. As razões para ela fazer isso são insignificantes, parece apenas que acordou de mau humor um dia e pensou: “Vou fuder com a vida de alguém hoje”. Ian foi escolhido como alvo e, por consequência, a narrativa o coloca como pobre coitado, injustiçado, vítima das loucuras de uma mulher malvada.

Claro, a situação dele é horrível. Ninguém merece ser preso por um crime que não cometeu, porém a autora forçou demais. Demais! Durante o julgamento de Ian dá para sentir o esforço do enredo para fazê-lo ser condenado, porque, convenhamos, se fosse uma situação real, ele sequer seria investigado. Estamos falando de 1977! Ian é um loiro de olhos azuis, bem de vida, estudado, casado com uma empresária rica. A mulher que o acusou era uma secretária bem mais velha, que morava num bairro perigoso da cidade. Para qual lado a opinião pública penderia automaticamente? Para o dele, com certeza. A maioria o veria como vítima de um golpe, mesmo que o estupro fosse real.

A narrativa conduz essa história de falsa acusação de forma a levar o leitor pensar que a justiça é a grande vilã, que a coisa mais fácil do mundo é um homem ir para a cadeia após cometer esse tipo de crime. E para piorar a merda toda, as personagens ficam fazendo piadinhas com a situação, coisas como:


No fim, a patifaria de acusação falsa só serve como plano de fundo para o relacionamento do casal. Um teste básico para ver se o amor deles é verdadeiro. Ou melhor, se o amor de Jéssica é verdadeiro, já que é ela que move céus e terra na esperança de livrar o marido da prisão. Ela arrisca seu patrimônio inteiro para pagar a fiança e os advogados; perde dias e noites pensando em formas de ajudá-lo; tem a vida exposta no tribunal; e ainda se mantém como uma esposa fiel quando o juri o declara culpado. O retrato da mulher que oferece o seu melhor a alguém que não lhe deu nem o mínimo, fidelidade.

Mas Jéssica também tem sua parcela de toxidade. Seu comportamento em relação a Ian é o mesmo de uma criança de três anos com o seu ursinho de pelúcia. Sem ele, ela não dorme, não come, não sorri, não trabalha, não faz nada. A vida dela vai por água a baixo enquanto o marido está usando o tempo livre na cadeia para escrever um novo romance.

Aliás, olha como a autora é engraçada. Na hora de mandar Ian para a prisão, a sociedade o tratou como um estuprador monstruoso que merecia amargar seus últimos dias vendo o sol nascer quadrado. Depois, quando ele publica seu livro, essa mesma sociedade o faz ser um sucesso de lançamento, mesmo que Ian ainda esteja cumprindo a pena. É conveniência de roteiro que chama, né?


A pressão sofrida por Jéssica após a prisão de Ian a faz refletir sobre o casamento deles, pontos negativos e positivos. Numa virada interessante que prometia ser a salvação da história, ela chega a conclusão que precisa recomeçar do zero e, para isso, entra com um pedido de divórcio. Senti um orgulho tremendo dela por estar disposta a fazer diferente e cortar as amarras emocionais que a prendiam a um relacionamento falido.

Rá, pegadinha do malandro!

Jéssica até tentou se desintoxicar, fez boas amigas, descobriu novas paixões, se mudou para uma casa de campo, até conheceu um cara muito legal; mas a todo instante Ian marcava presença em seus pensamentos. Ele era a medida que ela usava para avaliar o mundo ao seu redor e, no fim, percebeu que nada era tão bom sem ele por perto. A história acaba com eles se reconciliando no pátio do presídio. Ah, e Ian foi solto após cumprir cerca de dois anos da pena.

Minha reação ao fechar o livro:


Não dá, gente. Simplesmente não dá! Para mim, a mensagem que Agora e Sempre deixou foi que a mulher está irremediavelmente presa a um relacionamento, seja ele ruim ou não. Também fica claro que todo o esforço para fazer as coisas darem certo sempre partiam de Jéssica, como se fosse responsabilidade dela concertar as merdas feitas pelo marido. Um pensamento distorcido que, infelizmente, ecoa até hoje através da ideia que a mulher muda o homem. Vamos ouvir o conselho da Tati e dizer adeus a esse pensamento.


Deus queira que a visão de mundo de Danielle Steel tenha evoluído ao longo das décadas. Tem vários romances recentes dela disponíveis no mercado. Infelizmente, meu trauma foi tão grande que não arriscaria a ler nenhum.
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