quarta-feira, 8 de agosto de 2018


Emergência!

Calma, calma, que a emergência não é comigo!

Hoje é o grande dia! Embarco para Porto Alegre em poucas horas. O tempo está corrido, por isso decidi antecipar a postagem.

Essa será minha primeira viagem de avião. Estou um pouquinho - MUITO! - nervosa. Como minhas expectativas para esta experiência ainda estão bem confusas, não vou focar nesse pandemônio de pensamentos que ameaçam consumir minha cabeça. Prefiro enfrentar tudo o que tiver que enfrentar e, depois, contar aqui o que aconteceu.

Como sou a rainha das referências, claro que tenho uma citação especial para esse momento. Só que dessa vez não é apenas uma frase, e sim um texto inteiro dedicado a um passageiro de primeira viagem. Fiquem agora com a crônica Emergência de Luís Fernando Verissímo. Provavelmente amanhã, estarei narrando minha própria história... espero que o Araújo não vacile comigo.

É fácil identificar o passageiro de primeira viagem. É o que já entra no avião desconfiado. O cumprimento da aeromoça, na porta do avião, já é um desafio para a sua compreensão.
— Bom dia...
— Como assim?
Ele faz questão de sentar num banco de corredor, perto da porta. Para ser o primeiro a sair no caso de alguma coisa dar errado. Tem dificuldade com o cinto de segurança. Não consegue atá-lo. Confidencia para o passageiro ao seu lado:
— Não encontro o buraquinho. Não tem buraquinho?
Acaba esquecendo a fivela e dando um nó no cinto. Comenta, com um falso riso descontraído: “Até aqui, tudo bem”. O passageiro ao lado explica que o avião ainda está parado, mas ele não ouve. A aeromoça vem lhe oferecer um jornal, mas ele recusa.
— Obrigado. Não bebo.
Quando o avião começa a correr pela pista antes de levantar vôo, ele é aquele com os olhos arregalados e a expressão de Santa Mãe do Céu! No rosto. Com o avião no ar, dá uma espiada pela janela e se arrepende. É a última espiada que dará pela janela.
Mas o pior está por vir. De repente ele ouve uma misteriosa voz descarnada. Olha para todos os lados para descobrir de onde sai a voz.
“Senhores passageiros, sua atenção, por favor. A seguir, nosso pessoal de bordo fará uma demonstração de rotina do sistema de segurança deste aparelho. Há saídas de emergência na frente, nos dois lados e atrás”.
— Emergência? Que emergência. Quando eu comprei a passagem ninguém falou nada em emergência. Olha, o meu é sem emergência.
Uma das aeromoças, de pé ao seu lado, tenta acalmá-lo.
— Isto é apenas rotina, cavalheiro.
— Odeio a rotina. Aposto que você diz isso para todos. Ai meu santo.
“No caso de despressurização da cabina, máscaras de oxigênio cairão automaticamente de seus compartimentos”.
— Que história é essa. Que despressurização? Que cabina?
“Puxe a máscara em sua direção. Isso acionará o suprimento de oxigênio. Coloque a máscara sobre o rosto e respire normalmente”.
— Respirar normalmente?! A cabina despressurizada, máscaras de oxigênio caindo sobre nossas cabeças – e ele quer que a gente respire normalmente?!
“Em caso de pouso forçado na água...”
— O quê?!
“... os assentos de suas cadeiras são flutuantes e podem ser levados para fora do aparelho e...”
— Essa não! Bancos flutuantes, não! Tudo, menos bancos flutuantes!
— Calma, cavalheiro.
— Eu desisto! Parem este troço que eu vou descer. Onde é a cordinha? Parem!
— Cavalheiro, por favor. Fique calmo.
— Eu estou calmo. Calmíssimo. Você é que está nervosa e, não sei por quê, está tentando arrancar as minhas mãos do pescoço deste cavalheiro ao meu lado. Que, aliás, também parece consternado e levemente azul.
— Calma! Isso. Pronto. Fique tranqüilo. Não vai acontecer nada.
— Só não quero mais ouvir falar de banco flutuante.
— Certo. Ninguém mais vai falar em banco flutuante.
Ele se vira para o passageiro ao lado, que tenta desesperadamente recuperar a respiração, e pede desculpas. Perdeu a cabeça.
— É que banco flutuante foi demais. Imagine só. Todo mundo flutuando sentado. Fazendo sala no meio do Oceano Atlântico!
A aeromoça diz que lhe vai trazer um calmante e aí mesmo é que ele dá um pulo:
— Calmante, por quê? O que é que está acontecendo? Vocês estão me escondendo alguma coisa!
Finalmente, a muito custo, conseguem acalmá-lo. Ele fica rígido na cadeira. Recusa tudo que lhe é oferecido. Não quer o almoço. Pergunta se pode receber a sua comida em dinheiro. Deixa cair a cabeça para trás e tenta dormir. Mas, a cada sacudida do avião, abre os olhos e fica cuidando a portinha do compartimento sobre sua cabeça, de onde, a qualquer momento, pode pular uma máscara de oxigênio e matá-lo do coração.
De repente, outra voz. Desta vez é a do comandante.
— Senhores passageiros, aqui fala o comandante Araújo. Neste momento, à nossa direita, podemos ver a cidade de... Ele pula outra vez da cadeira e grita para a cabina do piloto:
— Olha para a frente, Araújo! Olha para a frente!
Emergência - Luís Fernando Verissímo

Saída de emergência
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