quarta-feira, 26 de setembro de 2018


Cotiporã - a cidade real

No post Cotiporã - o lugar para enfrentar medos posso ter soado bem infeliz em relação aos meus dias na cidade. Sinceramente, ainda estou digerindo tudo o que ocorreu. Nada saiu como o esperado. Mesmo assim, minhas expectativas foram superadas... Confuso, né? Deixa eu explicar.

Fui a Cotiporã achando que encontraria a minha Cotiporã. Aquela onde tudo acontece segundo minhas determinações e desejos. Uma ideia tola que acalentei ingenuamente. O primeiro choque de realidade, que aliás já comentei, foi a chuva que afogou a maior parte dos meus planos. O mal tempo deixou as ruas vazias, frias e tristes... igual o meu humor.


Também tinha o fato de não conhecer ninguém para me dar dicas, apresentar conhecidos ou conversar. O que, com certeza, dificultou meu contato com a população local. Ninguém sabia quem eu era ou o que fazia ali.

Ser uma forasteira jovem e sozinha numa cidade com menos de quatro mil habitantes te faz ser vista com um misto de curiosidade, fascinação e desconfiança. Muitas vezes, me senti uma intrusa apenas por jantar no principal barzinho da cidade, o Alternativo. Ali, me aproveitando descaradamente do wi-fi liberado, eu destoava da imagem familiar que as mesas repletas de parentes e amigos proporcionavam.


Bem, eu até era uma intrusa, mas uma bem cara de pau. Por seis dias, Cotiporã foi o lar de uma louca que se achava no direito de fazer o que quisesse: subir e descer ruas, tirar fotos e gravar vídeos ao acaso, entrar e sair de lojas, catar laranjas e bergamotas em terrenos baldios e, o mais importante, puxar papo com os moradores. E essa louca era eu!

Nessa vibe do “posso fazer o que me der na telha”, no segundo dia na cidade, engatei uma conversa aleatória com uma senhora de 84 anos que encontrei na Gruta de Quartzo, um ponto turístico religioso. Ela fora ler o jornal no banco em frente a gruta. Lá, eu estava a quase uma hora sem esbarrar com outro ser humano. Sobrou para a pobre velhinha aturar minha vontade de socialização.



O saldo acabou sendo positivo. Outras pessoas começaram a surgir – a chuva havia dado uma trégua – e a conversa com a senhora me deu confiança para me aproximar delas. Conheci uma baiana que trabalhava no posto de saúde local há alguns anos. Ela me apresentou a seus colegas de trabalho, dentre eles Adão Wons, poeta oficial da cidade, que após uma rápida conversa tratou de me convidar para a Feira do Livro que ocorreria naquela semana.

Imagine só!! A sorte enfim me deu um sorriso! E foi sorrindo que deixei a Gruta de Quartzo para seguir uma dica oferecida por minha amiga baiana: visitar Frigorifico A Sul Americana, que está desativado. Ainda recebi o alerta sobre um cavalo que andava a solta perseguindo pessoas na rua. Uma coisa tão interiorana que me fez sorrir mais. Que história sensacional para contar: saí do Rio de Janeiro pra tomar um corre de um cavalo doido na Serra Gaúcha.

A cena teria sido icônica, mas em vez de um cavalo esbarrei com uma equipe de filmagens que avaliava o frigorífico como cenário para o filme Os Dragões, um suspense fantástico, se não me engano (horas mais tarde, essa mesma equipe apareceu no hotel em que eu estava para avaliá-lo; o ambiente sombrio e abandonado foi aprovado).



Desempenhando com honra o papel de intrusa cara de pau, aproveitei a presença da equipe para conhecer o interior do frigorífico. Um lugar encantadoramente assustador. Guardei muitos registros da experiência para, no futuro, encaixar esse cenário em Preciosas. Quem sabe uma noite do terror...?



No dia seguinte teve início a Feira do Livro. Sentada com os estudantes do ensino médio, a intrusa estava lá.



Para esse momento em específico tenho duas palavras: oportunidade perfeita! Conheci escritores, leitores, pintores, universitários, livreiros e, claro, moradores locais. Cai de paraquedas no evento e, mesmo com receio, a comunidade aceitou minha presença com tranquilo interesse.

Muitos questionaram o que me levou até ali, logo ali!, dentre todas as cidades do Rio Grande do Sul. A resposta sincera seria tão longa quanto o post Cotiporã - a joia da Serra Gaúcha, por isso ou eu resumia o assunto com um “Cotiporã me atraiu” ou soltava um vago “Já até esqueci”.

Sem dúvida, o ponto alto da feira foi meu contato com Adão Wons. Até ganhei o livro de suas poesias. Com dedicatória!



No segundo dia da feira houve uma oficina de teatro. Eu, que fiz uma única aula anos atrás, realizei todas as atividades propostas pela professora (fico devendo o nome dela). Andei em câmera lenta, fugi de demônios invisíveis, virei um animal, inventei uma língua própria, rolei no chão, dancei sem música, gritei o máximo que conseguia e, ao fim da oficina, improvisei uma cena em grupo que deveria se passar num hospital. Assim sucedeu: Na recepção do hospital duas pessoas aguardavam notícias (uma delas, eu) quando entrou um casal cuja mulher estava em trabalho de parto. A recepcionista chamou a doutora (uma menina de uns seis anos) que realizou o parto na recepção. Como reviravolta para a cena, quando o bebê fictício nasceu, me joguei inconsciente no chão – minha personagem tinha medo de sangue.

Fora a feira do livro, o final de semana foi o mais tedioso possível – lógico, tirando a aventura de dormir no hotel. Passei horas lendo alguns ebooks, pois não havia mais nada para fazer. Cidades pequenas...

Na segunda-feira, 27/08, caminhei até muito além da ciclovia para conhecer a Cave Marson, principal vinícola de Cotiporã. Uma enóloga me recebeu e tivemos um longo e produtivo bate-papo. A vinícola não oferece visitação fora da temporada de colheita, por isso fiquei em seu salão de eventos onde degustei alguns rótulos. O suco de uva é fantástico!



Naquele mesmo dia, após o almoço no buffet livre, tomei o ônibus que me levaria para Veranópolis, a parada seguinte. Sair de Cotiporã foi imensamente triste, pois, no fundo, eu estava louca para deixar a cidade.

As noites de tensão e adrenalina no hotel e os dias de perambulação e solidão nas ruas roubaram boa parte da minha satisfação. O carrossel de sentimentos me exauriu ao ponto de sonhar com o momento do check-in no hotel que me esperava em Veranópolis. Deus, o café da manhã era incluso. Recepção 24 horas! Aquecedor no quarto!! Eu não queria nem mais uma noite de medo e frio.

Por questão de honra voltarei à Cotiporã. Não tenho ideia de quando, mas sei que vou voltar. A primeira impressão pode ser enganadora e, como ocorreram muitos entraves, preciso ter uma segunda para comparar. Até lá, trabalharei com o material que reuni. Minha Cotiporã permanece como foco de Preciosas e, em breve, estará aberta para ser visitada por quem quiser conhecê-la.
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Comentários
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2 comentários:

  1. Laisla, foi um prazer te conhecer, volte sempre amiga. Abraço.

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    1. Adão, não sabe a honra que foi te conhecer! Obrigada pelo comentário. S2
      Voltarei, sim, pode ter certeza!!

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