domingo, 22 de março de 2020


#1 Quarentena: só queria ir pra casa...

Eu realmente gostaria de evitar esse assunto aqui. Já está por toda parte, desencadeando crises e crises de ansiedade pela população. O blog poderia ser um lugar de distração para a loucura que vivemos. Mas não dá, né, gente. É impossível ignorar o que está acontecendo, principalmente quando o perigo nos rodeia de forma tão aterradora. Necessito escrever para clarear a mente, então, sim, vamos falar sobre quarentena e coronavírus.

Em dezembro deixei minha casa no Rio de Janeiro para passar o fim de ano em Governador Valadares-MG com a minha família. Meus dois sobrinhos mais novos, de 7 e 4 anos, viajaram comigo. Foi uma aventura interessante, pois era a primeira vez que eu viajava sozinha com crianças, bem como a primeira vez deles longe da mãe. Deu tudo certo e, após as oito horas de viagem de ônibus, nos instalamos na casa da minha mãe, junto a ela, meus três irmãos e padrasto. A casa fica num pequeno prédio e, logo abaixo, mora uma tia minha e seu marido. No mesmo bairro, vivem outros cinco tios, alguns dos muitos primos e minha avó.

Estar desempregada me dá certa liberdade para gerir meu tempo. Quando minha mãe e irmã mais velha concordaram em manter meus sobrinhos em Valadares, acabei prolongando minha estádia. Passaram os meses, começaram as aulas, me peguei escrevendo uma fanfic. Tudo certo, tudo tranquilo, mas eu queria voltar para o Rio.


O Rio de Janeiro não é apenas a cidade onde se localiza a minha casa, é o lugar em que nasci e tudo o que conheci por 22 anos de vida. Também é onde moram meu pai, minha irmã, meus sobrinhos mais velhos, minhas amigas e meu bebê Kikuchi. Aonde quer que vá, sempre sinto falta da familiaridade que o Rio gera no meu coração. Eu queria voltar.

Em tese, voltaria em meados de fevereiro. Aproveitaria os feriados de carnaval para faxinar a casa e juntar as amigas antes de retomar a busca por um emprego. Não consigo lembrar agora o porquê de ter adiado a viagem, parece que faz um longo tempo que o carnaval passou... Bem, como não havia assuntos urgentes, deixei para partir em março. Nesse período, o assunto coronavírus já marcava presença na mídia em geral, mas era algo distante da realidade; apenas uma gripe nova que se espalhou do outro lado do mundo e, com sorte, nem chegaria ao Brasil. Continuei fazendo planos.

Antes que fevereiro terminasse o Brasil registrou seu primeiro caso da doença. Especificamente no dia 26/02, quarta-feira, o Ministério da Saúde divulgou a confirmação, além de um número considerável de casos suspeitos. A internet explodiu em memes.

Sinceramente, eu não estava levando a situação tão a sério. Tenho lembranças vívidas da pandemia de H1N1, em 2009, e como passamos por ela com certa normalidade no Rio de Janeiro. As aulas não pararam, os ônibus continuaram circulando e parecia um exagero ver pessoas de máscara na rua. Ninguém que eu conhecia contraiu a doença, os alertas diminuíram com o tempo e a vida seguiu em frente. Por que seria diferente agora?

Avisei às minhas amigas que estaria no Rio em março. Combinamos de nos encontrar, embora houvesse a dúvida se seria melhor comer um lanche fora ou fazer uma noite das garotas na minha casa. Eu já pretendia fazer um almoço especial para compartilhar com meu pai, que mora sozinho e fica ainda mais solitário quando estou longe. Também tinha um evento literário para comparecer no dia 18/03, era o lançamento de uma antologia de poesias na qual uma das obras era Poder Invisível, de minha autoria. Eu estava animada demais com isso.

Os casos confirmados de coronavírus estavam se espalhando pelo país afora, proporcionalmente a tensão das pessoas. A corrida ao álcool em gel estava a todo vapor em Governador Valadares, ainda mais depois da confirmação do primeiro caso de Covid-19 em solo mineiro. O isolamento parecia ser algo restrito às pessoas que tinham suspeita do vírus, então eu e minha mãe sequer hesitamos ao ir na rodoviária comprar minha passagem para o Rio. Minha preocupação se focou no meu pai que pertence ao grupo de risco e está sozinho na segunda capital mais afetada pela doença no país.

Com a passagem comprada para o dia 14/03, me dediquei a arrumar a mala – mochila, no caso – e me preparar psicologicamente para passar oito horas cercada por desconhecidos dentro de um ônibus rodoviário. A fé no “vai dar tudo certo” era o que me movia, mesmo que o medo já estivesse se infiltrando nos meus pensamentos.

Naquela mesma semana, o prefeito e governador do Rio iniciaram as medidas de contenção do vírus, que incluíam interrupção das aulas, cancelamento de eventos e diminuição dos atendimentos em repartições públicas por quinze dias. O mesmo era esperado para acontecer em Governador Valadares. Os pedidos de auto-quarentena passaram a ser mais amplos e incisivos.

No dia da minha viagem, acordei cedinho, me arrumei, fui até a rodoviária e cancelei a passagem.

A atitude foi a soma de vários medos. As notícias no jornal estavam deixando minha família paranoica, eu estava paranoica. Tinha medo de pegar o vírus durante os deslocamentos e passar para o meu pai, ou minha irmã, ou qualquer outra pessoa. Acabei me apegando aos quinze dias de duração dessas medidas mais pesadas. A esperança era que a situação acalmasse após esse tempo e eu conseguisse entrar em segurança na minha terra natal.

Depois disso, porém, o negócio só foi se agravando. Agora, com o país em estado de calamidade pública, mortes registradas, mais de mil casos confirmados e vários estados proibindo o deslocamento de viagens terrestres, não sei quando voltarei a pisar no Rio de Janeiro.

Estou em casa com minha família, tentando não enlouquecer de nervoso. Dois dos meus irmãos são do grupo de risco, assim como meus tios que moram aqui embaixo. Meu padrasto trabalha num supermercado e continua saindo diariamente, sem perspectivas de ser liberado para o isolamento com garantia de direitos.

Ainda não há casos confirmados em GV, mas o pânico se instalou com êxito. As igrejas estão fechadas, assim como as escolas, cursos, lojas, restaurantes e qualquer estabelecimento que não seja essencial. Funcionários da prefeitura passam jogando desinfetante nas praças e calçadas. Os supermercados estão lotados e nem na maior rede de farmácias se encontra álcool em gel nas prateleiras. Mesmo assim, é possível ver crianças brincando nas ruas e vizinhos fazendo churrasco com a família nas varandas. O medo do coronavírus anda lado a lado com a falta de bom-senso das pessoas.

Tá foda.
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